domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nas Correntes...

O mundo inteiro parece estranhamente sereno. O silêncio - de que eu tanto gosto - é demasiado agudo, faltam-lhe as vozes e os pensamentos e o ruído que muitos livros juntos fazem ao serem folheados ao mesmo tempo. Deve ser o que sucede sempre que se regressa das Correntes d'Escritas.


Foi bom estar com amigos. Foi bom fazer novos amigos. Houve algum trabalho que não pareceu trabalho e noites longas que pareceram curtas. As intervenções nas mesas das sessões a que assisti foram quase sempre interessantes, algumas inspiradoras, embora eu não acredite na inspiração.


A minha prestação na mesa com o tema "A obra que faço é minha" correu muito bem mas foi, ao contrário do que o público presente possa ter pensado, atribulada. Na noite anterior tinha bebido uma cerveja a mais do que aquilo que talvez seja a minha conta certa e dormi cerca de quatro horas (do meu companheiro de quarto, um tal de João Tordo, vou apenas referir que, quando se foi deitar meia hora depois de mim, se esqueceu de fechar a porta do quarto). Acordei perto das oito da manhã em piloto automático, mais de uma hora antes da hora programada para o despertador do telemóvel tocar. Levantei-me. E não voltei a parar. Até ao fim do dia não consegui um único par de horas seguido para uma sesta. Estive na EB 2/3 Cego do Maio durante a manhã.Depois assisti ao lançamento dos novos romances do João Paulo Cuenca (um novo amigo) e do João Paulo Borges Coelho. Depois almoço. Depois assisti à mesa das 15.00. De modo que às 17.30, quando começou a minha mesa, o meu estado físico era como entende: dor de cabeça, sono e um cansaço que me pesava sobre o corpo todo. E como se isso não bastasse, ainda não estava a falar há trinta segundos quando senti os nervos estremecerem entre os ossos e a voz. Não me costuma acontecer. Pousei o papel onde levava a minha apresentação escrita, porque a mão me tremia e os olhos não conseguiam focar as linhas. Não me engasguei e não me enganei. Disse tudo o que tinha pensado dizer. As pessoas riram nas partes em que eu imaginei que se iriam rir, ficaram em silêncio, a escutar, nas outras. Tanto quanto sei, ninguém deu conta do meu sono, da dor de cabeça e dos nervos. No final houve aplausos, senti alívio, algumas pessoas vieram falar comigo, deram-me os parabéns, duas pediram-me o papel com o texto da minha apresentação. Não dei o papel, mas prometi que publicaria o texto neste blog, porque eu também gosto muito do que escrevi, e nos próximos dias isso vai acontecer.


Mas para mim, o melhor destas Correntes foi, claro, apresentar o meu novo romance. DEIXEM FALAR AS PEDRAS esteve à venda durante cinco dias apenas na livraria do festival, as pessoas puderam conhecer-lhe as formas, pegar nele, sentir os relevos da capa, folheá-lo, ler um par de parágrafos. Algumas compraram-no, talvez o estejam a ler neste momento, este pensamento deixa-me feliz. Dei alguns autógrafos, não ia preparado para isso, não tinha pensado nas dedicatórias que quero escrever na primeira página deste livro, espero não ter escrito disparates. O livro volta a esconder-se durante as próximas semanas e só estará de novo à venda dia 21 de Março, desta vez em todas as livrarias do país. Por isso ainda não é desta vez que vou falar dele.


Houve também a entrevista à Maria João Costa, da Rádio Renascença. Era eu e o Paulo Ferreira (autor do romance "Onde a Vida se Perde") e o João Paulo Cuenca. Pode ser ouvida aqui.


O meu balanço da minha primeira participação nas Correntes resume-se numa palavra. Disse-a entre os agradecimentos que fiz no início da minha intervenção na mesa de sexta-feira. A palavra é "conforto". Durante os três dias que passei na Póvoa do Varzim, senti um enorme conforto. E este post é dedicado à Manuela Ribeiro e ao Francisco Guedes, os organizadores do festival, incansáveis, dedicados, solidários, sempre presentes, como se tivessem o poder da desmultiplicação, agora meus amigos. Agradeço-lhes por me terem convidado e pela forma animada que usaram para me receber.


Quero voltar no próximo ano, quero voltar em todos os anos, sentado a uma mesa em cima do palco ou numa cadeira entre a assistência. Desde que esteja lá, o lugar será pouco importante.

1 comentário: