terça-feira, 29 de março de 2011

Este fim-de-semana, na Madeira, vai ser assim:

Eu vou andar por lá. No sábado, 2 de Abril, estou numa mesa sobre Escritores Inconstantes, com a Raquel Ochoa, a Inês Pedrosa e a Ana Margarida Falcão, moderada por Rogério Sousa. Mais informações a q u i

quarta-feira, 23 de março de 2011

DEIXEM FALAR AS PEDRAS 4

Quatro dias depois de aparecer na livrarias, as façanhas de DEIXEM FALAR AS PEDRAS na imprensa são as que seguem enunciadas:


- uma pequena referência no jornal A Bola (22-03-2011)


- no dia 22 de Março, notícia sobre o livro no jornal O Correio do Minho (22-o3-2011)


- entrevista comigo sobre o romance no Jornal de Letras (23-03-2011)


- crítica ao romance na revista Time Out (23-03-2011)


Assim que tiver estas coisas todas digitalizadas deixo tudo bem arrumadinho aqui no blog, na página da imprensa.

Sobre rabiscar em livros

A mão ainda me dói. Passaram-se umas quarenta horas mas a mão ainda me dói. Segunda-feira estive em Ílhavo, a convite da Biblioteca Municipal, onde fiz três sessões com alunos do concelho, duas em escolas, uma na pópria biblioteca. As sessões correram como vem sendo hábito: os alunos espantam-se com as barbaridades que digo sobre literatura e imaginação, entusiasmam-se com as histórias e episódios que conto, às vezes tenho que esperar um ou dois minutos por novo silêncio para conseguir voltar a falar, no final fazem muitas perguntas, algumas que levam preparadas de antemão, outras improvisadas no momento (gosto mais destas). Entre sessões costumo conversar com os professores ou com as pessoas da biblioteca, faço e antendo telefonemas que não podem esperar. No entanto, desta vez, entre sessões, tudo o que fiz foi ficar sentado no mesmo lugar a autografar livros que alguém, diligentemente, me colocava à frente. No total, dei 200 autógrafos, com respectiva dedicatória. De modo que os tendões da mão direita ainda se ressentem, o pulso continua dorido. É uma dor boa, claro.

domingo, 20 de março de 2011

DEIXEM FALAR AS PEDRAS 3

O meu novo romance, DEIXEM FALAR AS PEDRAS, chega hoje às livrarias.

Gostava que fossem espreitá-lo. Segurem-no, primeiro com uma mão, depois com as duas. Passem os dedos sobre a capa. Não deixem de o folhear. Olhem para as páginas, para a tinta impressa nas páginas, para as palavras alinhadas. Se acharem importante, leiam-no. Gostava muito que o lessem.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O caixote

Esta semana, o correio trouxe um caixote. É uma coisa que de vez em quando acontece cá em casa. A morada do remetente acabava em: Casablanca, Marrocos. Eu não estava cá para o receber. Só hoje de manhã o abri. Havia dez livros lá dentro. Caixotes com livros é outra coisa que costuma acontecer por aqui. Os livros são todos iguais, o mesmo exemplar repetido dez vezes. Na capa, há uma imagem e palavras escritas, embora eu não seja capaz de as ler. Não sou sequer capaz de distinguir os caracteres que formam as palavras. Imagino que alguns daqueles caracteres estejam agrupados de maneira a formarem o meu nome e também o título do livro - HISTÓRIAS POSSÍVEIS.

Através do instinto, compreendo que o livro se abre ao contrário daquilo a que estou habituado. Se eu soubesse decifrar estes caracteres, leria as frases da direita para a esquerda e passaria as páginas da esquerda para a direita, ao contrário do que sempre fiz.
Dentro do livro, página após página, os caracteres estão alinhados e entrelaçados como se dançassem devagar e a mancha de texto é tão bonita que não me importo de não compreender o que diz.

Eu imaginei as palavras que permitiram a existência destas que agora não compreendo. E isso deixa-me feliz.


(A edição marroquina, em árabe, do meu livro de contos Histórias Possíveis foi publicada no início de Março pela editora Racines, com tradução de Said Benabdelouahed e apoio da DGLB.)

quarta-feira, 16 de março de 2011

FLM

Entretanto, os Booktailors já anunciaram o cartaz e o programa do 1º Festival Literário da Madeira, no qual vou participar, entre os dias 1 e 3 de Abril.

Eu no Alto Minho

Cheguei ontem à noite a Arcos de Valdevez. Fui muito bem recebido, como sempre que venho ao Minho, com sorrisos e bifes enormes a sair do prato. Está a decorrer a Semana da Leitura e Biblioteca Municipal organizou um programa de actividades na Casa das Artes e nas escolas do concelho que mais parece o de um festival literário. Há escritores de todos os géneros, contadores de histórias, músicos. Os professores trabalharam bem os livros com os alunos e isso percebe-se na participação destes durante as sessões, nos livros que compraram e que seguram à espera de um autógrafo.

Hoje à tarde, numa sessão com alunos do 10º, 11º e 12º anos, li pela primeira vez o DEIXEM FALAR AS PEDRAS em voz alta para uma audiência. Já tinha lido dez linhas quando percebi o tremendo risco a que me estava a sujeitar. Umas das vozes do romance é de um rapaz de 14 anos, chamado Valdemar, problemático na escola e em casa, obeso, fanático de heavy-metal. Embora não seja um romance juvenil, enquanto escrevia, tentei encontrar o equilíbrio no tom entre o literário e o realista, sem nunca ter certezas sobre se um adolescente leitor se identificaria com a minha personagem. De modo que hoje, ao ler em público as primeiras dez páginas, acabei, sem querer, por forçar o romance à apreciação de quase uma centena de adolescentes.

Houve muito silêncio. Mas não o mesmo silêncio de alguns minutos antes, quando li um conto do HISTÓRIAS POSSÍVEIS, que pouco lhes disse. Era um silêncio mais forte, eles queriam falar mas alguma coisa dentro deles impedia-os. Queriam ouvir. De vez em quando respiravam mais alto, todos ao mesmo tempo. Riram-se algumas vezes, quando eu disse palavras como "cabrão", mas também em momentos em que o Valdemar é irónico e cínico na sua descrição dos acontecimentos. Depois de 10 minutos eu parei e disse: "Querem que continue?" Eles disseram que sim, baixinho. Eu continuei. No final bateram palmas (o que também não tinha acontecido na leitura anterior) e quando o aplauso terminou alguém perguntou quanto é que o livro custa. Eu não sei quanto é que o livro custa. Eles levantaram-se e saíram. Eu estava feliz, mas acho que eles não deram conta.

Amanhã há mais sessões aqui nos Arcos. Ainda bem.

Oficina

Já abriram as inscrições para a oficina de Escrita de Livro Infantil que vou dar entre Abril e Maio na Escrever Escrever.

Mais informações e contactos aqui.

Espreitem.

domingo, 13 de março de 2011

DEIXEM FALAR AS PEDRAS 2

Falta uma semana. Dia 21 de Março, DEIXEM FALAR AS PEDRAS chega às livrarias e aos hipermercados e às papelarias e aos outros locais onde se vendem livros.

Deixo-vos a sinopse (que já anda por aí a circular noutros blogues e sites) que vem escrita na contra-capa do livro.

No dia em que se ia casar, Nicolau Manuel foi levado pela Guarda para um interrogatório e já não voltou. Viveu, assim, quase toda a vida na urgência de contar a verdade a Graça dos Penedo, a noiva que mais tarde lhe seria arrebatada pelo alfaiate que lhe fizera o fato do casamento. Porém, sempre que se abria uma possibilidade, uma ameaça desviava-o dramaticamente do seu destino - e agora, meio século volvido, está velho de mais para querer mudar as coisas, gastando os dias com telenovelas. De tanto ter ouvido ao avô a sua história rocambolesca, Valdemar - um rapaz violento e obeso apaixonado pela vizinha anoréctica - não desistiu, mesmo assim, de fazer justiça por ele. E, ao encontrar casualmente a notícia da morte do alfaiate, sabe que chegou a hora de ir falar com a viúva: até porque essa será a única forma de resgatar Nicolau Manuel da modorra em que se deixou afundar. Alternando a narrativa dos sucessivos infortúnios de Nicolau Manuel - que é também a história de Portugal sob a ditadura, com os seus enganos, perseguições e injustiças - com a de um adolescente que mantém um diário com numerosas passagens rasuradas como instrumento de luta contra o mundo -, Deixem Falar as Pedras é um romance maduro e fascinante sobre a transmissão das memórias de geração em geração, nunca isenta de cortes e acrescentos que fazem da verdade não o que aconteceu, mas o que recordamos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Dois tecelões

Dois dias em casa do João Lemos a trabalhar n'A MALA INVENTADA e passa-me pela cabeça não voltar a escrever nada que não seja ilustrado. Pode ser banda-desenhada, ou picture books para crianças, ou até para adultos, desde que exista imagem a acompanhar o texto, desde que texto e imagem se fundam e complementem e desapareçam um no outro para criar algo novo, que não estava lá antes.

Quem vive à minha volta sabe que não tenho um pensamento visual. Estou habituado a pensar através das palavras, que não são mais do que símbolos e, como tal, possibilitam as mais variadas interpretações. Gosto muito de acreditar que o mundo na minha cabeça é diferente do mundo de todas as outras pessoas no mundo. As imagens são menos ambíguas do que as palavras, claro, mas não sei se será por isso que me falta um pensamento visual. Talvez a explicação seja mais simples do que isso, talvez seja apenas porque sou daltónico (ainda que num grau pouco significativo) e para mim as cores nunca tiveram uma importância extradordinária.

Seja como for, há uma consequência prática disto, que eu encaro como uma bênção: sempre que termino de escrever um livro para crianças, para lá das palavras que usei (com as suas múltiplas interpretações) não tenho qualquer imagem formada sobre a proporção entre o nariz e a boca das personagens, sobre os quadros que estão pendurados nas paredes da casa do protagonista, sobre o tom de cinzento do céu, etc. Dito de outra forma: não tenho qualquer expectativa em relação àquilo que o ilustrador fará com o texto que lhe entregar. Gosto de conversar com o ilustrador, contar-lhe a origem das ideias, falar-lhe sobre a força que algumas dessas ideias fazem dentro de mim, mas pouco mais do que isso. Depois o ilustrador vai fazer o seu trabalho, se quiser, estou sempre disponível para conversar, tirar dúvidas, dar sugestões, mas não faço questão de o fazer.

Foi isso que aconteceu com o João Lemos. Há uns meses, depois de algumas conversas, o João enviou-me a primeira ilustração, queria saber a minha opinião, queria saber se era aquela imagem que eu tinha na cabeça para o início da história. Não era. Eu não tinha nenhuma imagem, eu só tinha palavras. Ver aquela ilustração pela primeira vez: uma sensação estranha mas maravilhosa, como chegar a um lugar onde nunca estive mas que reconheço perfeitamente, encanto e conforto. Eu disse ao João a minha opinião. Ele voltou ao trabalho. Uns meses depois, enviou-me as 64 ilustrações seguintes. Sim, um trabalho épico. Uma espécie de banda-desenhada, em que casa quadradinho é uma página.

Depois, sentei-me ao lado do João e começámos a entrelaçar as minhas palavras com as imagens dele. Em algumas páginas a teia é leve, noutras, fizemos por atar nós apertados nas pontas e não é possível perceber onde a ilustração começa e o texte termina, é tudo uma só coisa. Não sei como se chama essa coisa. Talvez "ilustrexto" ou "textração". No fundo é apenas um livro. Estivemos assim dois dias, o trabalho de tecelagem não está pronto mas aproxima-se do fim. Depois o livro seguirá para a editora para ser montado e encaixado nas suas medidas exactas. Depois irá para a gráfica, haverá provas de cor para analisar, tons para equilibrar, etc.

Depois o livro deixa de ser um conceito abstracto.

Não falta muito. É coisa de semanas.

domingo, 6 de março de 2011

DEIXEM FALAR AS PEDRAS 1



Eu queria escrever um livro sobre a memória e sobre o passado e também sobre um alfaiate, porque são tudo coisas que me fascinam há anos (enfim, façamos uma ressalva à alfaiataria, que é um interesse recente que se avolumou com a escrita deste livro).

Agora existe este romance.

Como já antes disse por estas paragens, não consigo ficar muito tempo sem passar os olhos pela capa.

Ficam feitas as primeiras apresentações: meus amigos este é DEIXEM FALAR AS PEDRAS, DEIXEM FALAR AS PEDRAS estes são os meus amigos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

100 x LER


A revista Ler chegou ao número 100. E com números redondos como este é o que se faz: festeja-se. É pena que os outros números não exaltem os ânimos da mesma forma, porque então teríamos festa todos os meses.
Muitos parabéns a todos os que trabalharam em cada uma das 100 edições.

(Eu dei o meu contributo para festa, como quem aparece com um pack de cerveja: entre as 100 ideias para o futuro há uma minha.)

terça-feira, 1 de março de 2011

Estava prometido

Não são necessárias grandes introduções. Na passada sexta-feira, no Auditório Municipal da Póvoa do Varzim, durante a 7ª Mesa das Correntes d'Escritas, cujo tema era "A Obra que faço é minha", quando a minha vez de falar chegou aquilo que eu disse foi o texto que se segue.



A obra que faço é minha, claro. Mas essa nem sequer é a questão mais relevante.


Não tenho a certeza, mas penso que o meu primeiro momento de criação literária aconteceu quando eu tinha dois anos. Não me lembro de nada, claro. Os meus pais é que contam essa história. A história da galinha, que entre os mais pequenos, em escolas e bibliotecas, eu já devo ter contado umas quatrocentas vezes. Até porque foi esse episódio que esteve na origem do meu primeiro livro para crianças, “A Noite dos Animais Inventados”. Poucas vezes contei a história da galinha para um público adulto. Mas agora esse momento chegou.


Por volta dos meus dois anos, tive uma galinha imaginária. Creio que toda a gente, a um determinado instante da infância, terá tido amigos imaginários; e a meu ver, o facto de eu ter imaginado um animal que pouco interage com as pessoas e não faz mais do que bicar milho e pôr ovos revela, ao contrário do que possa parecer, a pouca imaginação que eu tinha então. Os meus pais contam que durante umas semanas a galinha me acompanhou para todo o lado, debaixo do braço (que segurava em nada), como um animal de estimação real. Se alguém experimentava sentar-se numa cadeira, eu gritava que não podia fazê-lo porque estava ali a galinha. Os meus pais contam que de início acharam graça. Depois ficaram preocupados mas, sobretudo, cansados por haver lá em casa um animal a estorvar pelas divisões que ninguém via a não ser eu. Por isso fizeram o que fizeram. Uma manhã saímos de casa para apanhar um autocarro. Eles iam trabalhar, eu ia para a creche. Quando estávamos na paragem à espera do autocarro – e lá estava eu com a galinha debaixo do braço – os meus pais disseram-me: «David, neste autocarro não podem entrar galinhas.» Nem eles nem eu poderemos alguma vez saber o que me passou pela cabeça naquele instante. Ainda assim, contam os meus pais, eu ouvi o que eles disseram e de seguida baixei-me para pousar a galinha no chão da paragem. O autocarro chegou. Entrámos. Contam os meus pais que eu me cheguei à janela para dizer adeus à galinha. Contam também que nunca mais vi a galinha.


O interessante aqui não é, claro, eu, com dois anos apenas, ter imaginado uma galinha, mas sim tê-la abandonado porque de outra forma não saberia ver-me livre dela. Por alguma razão o verbo desimaginar não faz parte do nosso léxico. A imaginação, sobretudo a imaginação das crianças, ao contrário do que se possa pensar, orienta-se por regras firmes e tem limites intransponíveis. Mais interessante ainda é o facto de os meus pais terem ajudado a ver-me livre da galinha. Sem eles, a história não teria uma conclusão e como tal não seria sequer uma história.


E a partir daqui, se acharem que vos serve de alguma coisa, sempre que eu disser “galinha”, quero que pensem “livro” (não tanto enquanto objecto, mas como texto ou narrativa ou conto ou romance) e sempre que eu disser “os meus pais” pensem “o leitor”, com as devidas alterações de artigos e verbos associados.


A galinha é minha. Fui eu que a inventei, fui eu o primeiro que a pensou. Mas a verdade é que sem os meus pais a galinha seria apenas uma invenção da minha cabeça, perdida no meio de outros pensamentos e de outras brincadeiras, desconhecida para todos menos para mim, que, mais cedo do que tarde, acabaria por esquecê-la completamente. Foram os meus pais, no momento em que permitiram que um elemento da minha imaginação se metesse na deles, quem deu à galinha lugar entre as coisas da realidade, um lugar que era, claro, diferente daquele que eu lhe havia atribuído. Eu via na galinha uma companhia. Os meus pais encontraram nela primeiro um motivo para sorrir, depois um aborrecimento e um estorvo e por fim até um problema. Porque há infinitas maneiras de se olhar para uma galinha. Sobretudo para uma galinha imaginária. Mas mais ainda: foi só através da imaginação dos meus pais que eu resolvi o destino à galinha. A galinha existia e, sim, era minha, mas os meus pais deram-lhe significado quando decidiram interferir nos acontecimentos com os seus próprios pensamentos. Podiam não ter interferido, essa opção existe sempre, podiam ter dito: “David, essa galinha não existe, acabou-se a brincadeira”, como quem termina a leitura de um livro antes da última página. (E atenção: o jogo apenas funciona num sentido, quando eu digo “livro” não quero que pensem “galinha”, quero que pensem “livro”)


E depois, como se tudo isso não bastasse, foram os meus pais que guardaram na memória a minha galinha. Eu tinha apenas dois anos e por isso esqueci-a. Talvez no momento em que saí do autocarro naquela manhã já a tivesse esquecido. Mas eles lembraram-se sempre, até ao dia em que me contaram a sua história pela primeira vez. E é possível que a história que eles me contaram não seja exactamente a história da minha galinha, mas isso, para mim, nunca foi nem será um problema.


A verdade por trás desta história define aquilo que para mim é literatura. A literatura é um diálogo. A primeira palavra é minha e será sempre minha até ao final da conversa, mas depois existe alguém que responde. Se não houver ninguém a responder, pouco importa se a primeira palavra é minha ou não.